10 de março de 2008

Caminhos do paraíso


Os dias do paraíso que vemos são os dias da terra. Uma terra-mãe que dá a vida e a morte e onde o amor acontece, ele que também dá vida e que também dá morte. No cinema de Terrence Malick a natureza tem um papel determinante e “Days of Heaven” (1978), sua segundo longa-metragem, não é excepção. O olhar fixa-se nas envolvências, admira-se com o meio. Não é por acaso que o filme é narrado por uma criança, que nos põe a par do seu espanto pela existência que vai conhecendo e desconhecendo um pouco mais todos os dias. Há sempre uma pureza nos cenários que Malick nos mostra, uma pureza sempre condenada. O filme segue o trajecto de um casal de amantes.

No início partem de Chicago para buscar trabalho sazonal numa quinta texana. Lá fazem-se passar por irmãos e o dono da terra, um jovem com os dias contados, deixa-se apaixonar por ela, acabando por a desposar. Mas o amante-irmão está sempre presente e os momentos de felicidade são efémeros. No final há morte mas até a morte é vida. É só uma outra partida. As personagens não têm assim tanto relevo enquanto indivíduos. O filme termina e já nem nos lembramos do nome que tinham.
Há algo de religioso neste filme, e não é somente o título. E há algo que nos traz à memória de Murnau, nomeadamente o Murnau de “City Girl” (1930).

Mas há um olhar que é só de Malick, que se fascina com o belo natural como ninguém. A beleza da luz e das sombras num crepúsculo ou numa noite, os movimentos de um rio, o branco da neve, até os insectos praga. À bela música criada por Ennio Morricone juntam-se os sons da própria natureza. Tudo se une, o artificial que sempre existe no cinema e a evidência do natural. Juntos são uma nova dimensão, uma dimensão
malickiana, um sopro do vento que faz agitar as searas e as águas, que sentimos real mesmo que seja só no ecrã. As imagens são versos que nos maravilham. Pois se existe poesia em forma de cinema ela é a obra de Terrence Malick.

2 de março de 2008

Simplesmente Cinema Recomenda

O Anjo Exterminador
(El Ángel Exterminador, 1962)
de
Luis Bunuel

"A moral burguesa é, para mim, uma imoralidade contra a qual há de se lutar; esta moral que se baseia em nossas instituições sociais mais injustas como o são a religião, a pátria, a família e a cultura, em suma, o que se denomina os pilares da sociedade." Luis Buñuel

O retrato da burguesia de Buñuel é o mais vil e cruel, desumana e imoral faceta da sociedade: hipocrisia, o adultério, a vaidade, a desconsideração ao próximo, os maldizeres, a imoralidade (a qual é tratada com a maior naturalidade e complacência), e inevitável ironia sórdida. Além de uma sutil, mas não menos expressiva crítica à igreja.


Sem grandes arroubos técnicos, contando a história de forma bem simples, Buñuel faz uma voraz critica, muito expressiva, sobre a burguesia e suas “capas douradas” – que hoje pode ser estendida a todas as classes sociais.


Buñuel sabiamente despe a sociedade aristocrata, a qual se vê presa numa das salas de uma mansão após um jantar formal. Não há nada que os impeça de sair, porém o formalismo e a convenção os fazem refém de portas e grades imaginárias.
Com o decorrer dos dias, as convenções vão caindo, porém as barreiras imaginárias permanecem, momento no qual as mascaras desprendem-se de cada personagem, aforando os mais primitivos instintos.

Porém, como tudo isso seria possível? Como dito antes, os convidados são tomados de tal crise de abulia, talvez uma elevação do grau de passividade já retratado naquelas pessoas - em determinado momento, o médico presente compara o fato de se morrer ao termo "ficar completamente calmo" -. Ao se aproximarem da passagem para outro ambiente da residência, as pessoas sempre acabavam encontrando uma desculpa para evitar a continuação do movimento e, caso insistissem, ficariam prostradas, as forças esgotadas, impedindo os membros de se mexerem.

Ao contrário de Lynch (cujo trabalho de Buñuel foi uma óbvia fonte de inspiração), o realizador espanhol utiliza o silêncio para criar inquietação e desconforto, tanto psicológico como físico, ganhando com isto um maior realismo. Também ao contrário de Lynch, Buñuel utiliza uma estrutura narrativa mais linear e perceptível, em que destaca os diálogos em espanhol com grandes cargas de ironia, muitas vezes pouco perceptíveis quando sujeitos a tradução.

O Anjo Exterminador é, por fim, daqueles filmes para serem vistos e revistos. Preste atenção nos detalhes. O anjo e Buñuel têm sempre algo a dizer.

... Cuspido por Raphael, e informações adicionais IMDB

LUZ , CÂMERA , AÇÃO ...CORTA.